O que aprendi nas melhores cozinhas do mundo

Como “cai de paraquedas” em lugares inesperados para tirar grandes lições sobre estratégia, gestão e trabalho

Giuliana Viviani
5 min readJan 19, 2023

Muitos me perguntam, o que me cativou e chamou a atenção nesse universo gastronômico. Então hoje eu resolvi compartilhar as 7 lições que aprendi nesse período.

Como chefe de partida "primeros frios" no Mugaritz, Julho 2018

Um dia desses estava organizando alguns arquivos no meu computador e me vi imersa olhando algumas (não tão velhas) fotos minhas da época em que me aventurei em cozinhas renomadas.

Posso dizer que minha aventura gastronômica, foi completa. Afinal os 3 restaurantes em que trabalhei possuiam uma ou duas estrelas Michelin*. E um deles, Mugaritz, ocupava a sétima posição do Ranking 50 best*. Os outros 2 estão na lista dos 100 melhores.

Quem se interessa a ver fotos e documentários se depara com todo o glamour e beleza do que parece ser “absolutamente uma obra de arte”. Mas poucos imaginam o percurso e o trabalho investido em cada prato, e o quanto conceitos tradicionalmente vinculados com empresas se aplicam. Afinal restaurantes também são negócios.

Eis aqui as principais lições

1- Planejamento vs. trabalho sob pressão

Não se entrava na cozinha sem antes ter o planejamento do dia. Não falo isso no sentido figurado, vez ou outra o chefe pedia para ver o seu caderno de anotações para conferir se o planejamento estava lá.

Os Moleskines também sofrem as consequências da vida intensa na cozinha.

Isso porque o tempo disponível é sempre justo, e a abertura de qualquer restaurante é pontual. Portanto era necessário saber exatamente o que precisava ser feito e gerenciar o tempo milimetricamente para que se pudesse preparar todo o “mise en place”*.

Sem o planejamento também não era possível identificar e entender pontos de melhoria no processo. Dentro da cozinha estamos o tempo todo questionando a melhor forma e a mais rápida de realizar as tarefas.

2- Valorize a cadeia de produção

Arrisco dizer que não existe trabalho que se faça sozinho. Na cozinha, é praticamente impossível. Por mais que exista uma “aurea” de competição a quantidade de processos e o grau de detalhe exige uma equipe coordenada.

Vou dar um exemplo simples, um bom caldo demora em media 8hs para ficar pronto. Imagina o que seria desperdiçar todo esse trabalho no momento de preparar um prato?

3 — Use as críticas a seu favor.

Elogios são raros, mas eles acontecem. Porém o que é bastante frequente são as críticas. Trabalhamos para atingir a excelência, existe uma pressão muito grande para isso.

Empratando no Fäviken. Abr/2018

Não à toa, considerando que uma refeição nesses restaurantes tem um tiquet médio de R$2.000,00. Mas não só pelo valor monetário, mas em muitos casos essa é a única chance que o cliente terá de comer lá. Não há a opção de falar “Desculpe senhor, hoje seu jantar não foi excelente, volte outro dia”.

No fundo as críticas servem para te fazer melhor a cada dia. Ao entender que não são pessoais, e que te dão a oportunidade de crescimento cada crítica vira uma oportunidade e você passa a buscá-las o tempo todo.

4- Questione-se e pesquise, pesquise, pesquise

Na mesma linha de planejamento e melhoria constante é muito importante entender o porquê de fazer o que se faz da maneira em que se faz. Muitas vezes na pressa e na correria tudo entra no automático sem o simples raciocínio “Por que estou fazendo isso dessa forma? É realmente a maneira mais prática? Mais eficiente? Posso fazer mais rápido? Posso fazer melhor? Ou ainda “qual o papel de cada ingrediente? Como ele influência no preparo?”

Tenho vários “causos” que ilustrariam bem, coisa que um dia dá certo, outro não. E muitos passam batido sem entender o que acontece. Para mim não me bastava viver nessa “loteria”. Buscar entender os ingredientes, os processos e como tudo se relaciona é o que vai mitigar essa incerteza e vai te fazer um cozinheiro melhor.

5- Comunicação é chave

Imprevistos, SEMPRE, acontecem. Na verdade, é o que mais acontece. Sim comecei falando da importância do planejamento para chegar aqui e falar que não serve de muita coisa?

Claro que não! Sem o planejamento ficaríamos mais perdidos em qualquer situação adversa. Inclusive é por ter planejado que cada um sabe a margem que tem para resolver o B.O. Mas nem sempre é possível resolver sozinho. É nessas horas que é necessário ter humildade e comunicar.

Importante também ficar atento aos colegas, em algum momento é você quem vai poder ajudar. Só quem viveu sabe o alívio que é alguém chegando na sua bancada quando tudo parece perdido e fala “o que posso fazer para te ajudar”.

6- Aprenda na prática e aprenda rápido

O peso e a preocupação de lidar com um peixe lindo desses. Maní, 2017

Comentei que “cai” na cozinha meio que por “acidente”. Fiz um curso de técnicas de cozinha e nessa vontade de aprender e aprimorar acabei parando nas cozinhas dos restaurantes. Uma boa base sempre ajuda, porém é só a prática que vai te trazer as variáveis e os desafios. A máxima “errando é que se aprende” também pode ser usada aqui. Desde que que se erre pouco, se possível não erre (risos nervosos), e se errar saiba consertar.

É importante confiar também no seu trabalho e dedicação. É entender que só é possível aprender se arriscando, pesquisando e pedindo feedback.

7- A resposta é: Disciplina

Cansada, mas orgulhosa em mostrar para os meus pais o que eu estava fazendo na cozinha de criação do Mugaritz. Ago/2018

Não existe fórmula mágica, apesar do resultado parecer mágico. O trabalho em uma cozinha é intenso e repetitivo. Exige tanto do mental quanto do físico. Todos os momentos você é cobrado para ser melhor e mais rápido. Mas como entregar esse resultado?

Disciplina. Pode soar simplista, mas não é fácil por em prática. Cada detalhe faz diferença para o trabalho. Desde o uniforme sempre passado até as panelas perfeitamente areadas. Sim, quem cuida dos instrumentos de trabalho somos nós. Cada item influencia diretamente no resultado, só a repetição, o cuidado contínuo e a frequente aplicação de tudo que mencionei é que vão fazer a diferença.

Enfim, isso é uma pequena parte da minha experiência que compartilhei. Histórias e “causos” não faltam, e guardo com muito carinho esse período.

Gostaram dessas histórias? Querem saber mais? Me falem!

Quem sabe não sai algum outro artigo? Assim, bem no estilo, “marcha e passa”!

*Mise en place: Deixar tudo preparado e à mão para o momento de finalizar os pratos.

*Estrelas Michelin: Classificação de restautantes, a escala varia de 1 a 3 estrelas que representam desde "valer a visita" a "cozinha exepcional". É uma das principais referências de excelencia dentro do mundo da gastronomia.

* Ranking 50 best: Outra grande referência de qualidade e excelência. Esse ranking classifica anualmente os restaurantes pelo mundo em um ranking único.

--

--