O que aprendi nas melhores cozinhas do mundo
Como “cai de paraquedas” em lugares inesperados para tirar grandes lições sobre estratégia, gestão e trabalho
Muitos me perguntam, o que me cativou e chamou a atenção nesse universo gastronômico. Então hoje eu resolvi compartilhar as 7 lições que aprendi nesse período.
Um dia desses estava organizando alguns arquivos no meu computador e me vi imersa olhando algumas (não tão velhas) fotos minhas da época em que me aventurei em cozinhas renomadas.
Posso dizer que minha aventura gastronômica, foi completa. Afinal os 3 restaurantes em que trabalhei possuiam uma ou duas estrelas Michelin*. E um deles, Mugaritz, ocupava a sétima posição do Ranking 50 best*. Os outros 2 estão na lista dos 100 melhores.
Quem se interessa a ver fotos e documentários se depara com todo o glamour e beleza do que parece ser “absolutamente uma obra de arte”. Mas poucos imaginam o percurso e o trabalho investido em cada prato, e o quanto conceitos tradicionalmente vinculados com empresas se aplicam. Afinal restaurantes também são negócios.
Eis aqui as principais lições
1- Planejamento vs. trabalho sob pressão
Não se entrava na cozinha sem antes ter o planejamento do dia. Não falo isso no sentido figurado, vez ou outra o chefe pedia para ver o seu caderno de anotações para conferir se o planejamento estava lá.
Isso porque o tempo disponível é sempre justo, e a abertura de qualquer restaurante é pontual. Portanto era necessário saber exatamente o que precisava ser feito e gerenciar o tempo milimetricamente para que se pudesse preparar todo o “mise en place”*.
Sem o planejamento também não era possível identificar e entender pontos de melhoria no processo. Dentro da cozinha estamos o tempo todo questionando a melhor forma e a mais rápida de realizar as tarefas.
2- Valorize a cadeia de produção
Arrisco dizer que não existe trabalho que se faça sozinho. Na cozinha, é praticamente impossível. Por mais que exista uma “aurea” de competição a quantidade de processos e o grau de detalhe exige uma equipe coordenada.
Vou dar um exemplo simples, um bom caldo demora em media 8hs para ficar pronto. Imagina o que seria desperdiçar todo esse trabalho no momento de preparar um prato?
3 — Use as críticas a seu favor.
Elogios são raros, mas eles acontecem. Porém o que é bastante frequente são as críticas. Trabalhamos para atingir a excelência, existe uma pressão muito grande para isso.
Não à toa, considerando que uma refeição nesses restaurantes tem um tiquet médio de R$2.000,00. Mas não só pelo valor monetário, mas em muitos casos essa é a única chance que o cliente terá de comer lá. Não há a opção de falar “Desculpe senhor, hoje seu jantar não foi excelente, volte outro dia”.
No fundo as críticas servem para te fazer melhor a cada dia. Ao entender que não são pessoais, e que te dão a oportunidade de crescimento cada crítica vira uma oportunidade e você passa a buscá-las o tempo todo.
4- Questione-se e pesquise, pesquise, pesquise
Na mesma linha de planejamento e melhoria constante é muito importante entender o porquê de fazer o que se faz da maneira em que se faz. Muitas vezes na pressa e na correria tudo entra no automático sem o simples raciocínio “Por que estou fazendo isso dessa forma? É realmente a maneira mais prática? Mais eficiente? Posso fazer mais rápido? Posso fazer melhor? Ou ainda “qual o papel de cada ingrediente? Como ele influência no preparo?”
Tenho vários “causos” que ilustrariam bem, coisa que um dia dá certo, outro não. E muitos passam batido sem entender o que acontece. Para mim não me bastava viver nessa “loteria”. Buscar entender os ingredientes, os processos e como tudo se relaciona é o que vai mitigar essa incerteza e vai te fazer um cozinheiro melhor.
5- Comunicação é chave
Imprevistos, SEMPRE, acontecem. Na verdade, é o que mais acontece. Sim comecei falando da importância do planejamento para chegar aqui e falar que não serve de muita coisa?
Claro que não! Sem o planejamento ficaríamos mais perdidos em qualquer situação adversa. Inclusive é por ter planejado que cada um sabe a margem que tem para resolver o B.O. Mas nem sempre é possível resolver sozinho. É nessas horas que é necessário ter humildade e comunicar.
Importante também ficar atento aos colegas, em algum momento é você quem vai poder ajudar. Só quem viveu sabe o alívio que é alguém chegando na sua bancada quando tudo parece perdido e fala “o que posso fazer para te ajudar”.
6- Aprenda na prática e aprenda rápido
Comentei que “cai” na cozinha meio que por “acidente”. Fiz um curso de técnicas de cozinha e nessa vontade de aprender e aprimorar acabei parando nas cozinhas dos restaurantes. Uma boa base sempre ajuda, porém é só a prática que vai te trazer as variáveis e os desafios. A máxima “errando é que se aprende” também pode ser usada aqui. Desde que que se erre pouco, se possível não erre (risos nervosos), e se errar saiba consertar.
É importante confiar também no seu trabalho e dedicação. É entender que só é possível aprender se arriscando, pesquisando e pedindo feedback.
7- A resposta é: Disciplina
Não existe fórmula mágica, apesar do resultado parecer mágico. O trabalho em uma cozinha é intenso e repetitivo. Exige tanto do mental quanto do físico. Todos os momentos você é cobrado para ser melhor e mais rápido. Mas como entregar esse resultado?
Disciplina. Pode soar simplista, mas não é fácil por em prática. Cada detalhe faz diferença para o trabalho. Desde o uniforme sempre passado até as panelas perfeitamente areadas. Sim, quem cuida dos instrumentos de trabalho somos nós. Cada item influencia diretamente no resultado, só a repetição, o cuidado contínuo e a frequente aplicação de tudo que mencionei é que vão fazer a diferença.
Enfim, isso é uma pequena parte da minha experiência que compartilhei. Histórias e “causos” não faltam, e guardo com muito carinho esse período.
Gostaram dessas histórias? Querem saber mais? Me falem!
Quem sabe não sai algum outro artigo? Assim, bem no estilo, “marcha e passa”!
*Mise en place: Deixar tudo preparado e à mão para o momento de finalizar os pratos.
*Estrelas Michelin: Classificação de restautantes, a escala varia de 1 a 3 estrelas que representam desde "valer a visita" a "cozinha exepcional". É uma das principais referências de excelencia dentro do mundo da gastronomia.
* Ranking 50 best: Outra grande referência de qualidade e excelência. Esse ranking classifica anualmente os restaurantes pelo mundo em um ranking único.