É possível inovar em produtos financeiros altamente estruturados e regulamentados?

Como os conceitos de UX design me ajudaram a reestruturar o consórcio de veículos de forma a entregar a melhor solução para o cliente entendendo seu momento de compra

Giuliana Viviani
7 min readJul 29, 2020

Panorama Geral

O consórcio teve seu inicio na década de 60, junto com o advento da indústria automobilística no Brasil. Ele foi criado por um grupo de funcionários do Banco do Brasil, que buscavam uma nova forma de concessão de crédito, algo que era muito limitado na época. O consórcio se expandiu para outros ramos nas décadas de 80 e 90, porém perdeu força em meados de 2005 quando o acesso aos financiamentos se expandiu. Além disso até a década de 90, quando passou a ser fiscalizado pelo Banco Central do Brasil, a imagem do consórcio sofreu com a má índole de alguns players do mercado.

O desafio

A indústria automobilística sempre foi um aspecto muito forte no DNA do Grupo Viviani. Buscando expandir o portfólio de atuação das empresas não foi muito difícil se reconhecer no consórcio, um produto financeiro que surgiu da vontade de comprar um carro. Seria o produto complementar ideal para apresentar aos clientes do Grupo.

Em meados de 2014 saiu a autorização do Banco Central do Brasil para dar início ao processo de abertura da Administradora de Consórcio, e foi a mim que incumbiram essa missão.

O grande desafio era entender e combinar as necessidades dos clientes com esse produto, juntamente com as exigências regulamentares do Banco Central.

O início

Haviam 2 pontos de partida para começar. O primeiro reunir tudo o que era necessário cumprir com a regulamentação e o segundo era entender o que era apresentado no mercado de consórcio, como os clientes recebiam os produtos existentes e o que eles buscavam.

O que me chamou muita atenção era a quantidade de exclusões que os consórcios existentes sofriam, chegavam a taxas médias de 75%. Isso significava que a retenção das pessoas no grupo era baixa, e poucas realmente realizavam a função do consórcio: "retirar o bem".

O motivo para esse número tão incomodo começou a clarear quando iniciei as entrevistas de alguns clientes e potenciais clientes. Muitos deles compravam o consórcio sem entender realmente o propósito do produto. Uma grande parcela comprava acreditando que era uma solução direta ao financiamento. Porém muitos se decepcionavam ao saber que para retirar o bem, era necessário esperar a contemplação. Esse aspecto muitas vezes era deixado de lado durante a negociação.

Outro ponto bastante colocado pelos clientes era a dificuldade de entender o produto. No momento de assinar o contrato eram várias tabelas com percentuais, diluições e coeficientes que sem muita conta e familiaridade com o produto era difícil compreender. Para entender o que esses clientes passavam resolvi que me tornaria cliente dos consórcios existentes no mercado.

As pesquisas

Segui então com duas linhas de pesquisa:

  • Entrevistas com clientes e potenciais clientes do consórcio
  • Tornar-se cliente de outros consórcios concorrentes

As entrevistas se dividiram basicamente em dois grupos, dos que possuíam ou já possuíram uma cota de consórcio e dos clientes que nunca haviam comprado um consórcio. No primeiro caso, identifiquei que as pessoas que ainda tinham alguma cota ativa estavam satisfeitas com o produto. Apontavam sim alguma dificuldade em entender alguns aspectos mais técnicos, mas conseguiam enxergar o benefício.

Nos casos em que o cliente já teve alguma cota no passado nem sempre a experiência foi positiva. Muitas vezes não tinha mais a cota porque solicitou o cancelamento. Nesses casos boa parte se dava por promessas durante a venda, ou a dificuldade de entender o produto.

Para os clientes que nunca tiveram um consórcio em torno de 50% não sabia o que era o produto, só tinha escutado falar o termo. E uma parcela dos que tinham escutado sobre, era algo de forma negativa.

Nas pesquisas com as concorrentes tive a oportunidade de conhecer as mais diversas abordagens, os mais diversos contratos, e como a informação era passada para o cliente.

Dentre muitos insights combinando o resultado das pesquisas o principal era: apresentar o consórcio de forma clara e para o momento certo no processo de compra do cliente.

Definindo a estratégia

Com base no que foi falado nas entrevistas entendi que um problema grave dos clientes era com a experiência que eles tinham com o consórcio. Por mais que UX tenha se popularizado entre os produtos digitais as bases e os conceitos se aplicariam perfeitamente para me auxiliar na construção do consórcio que queria oferecer. Afinal não iria vender um carro, e sim uma forma de comprar o carro. A experiência desse cliente era fundamental para o sucesso do produto.

Com base no insight das pesquisas determinei que deveríamos trabalhar principalmente os seguintes aspectos:

  • Apresentar na proposta os cálculos do plano de forma clara e objetiva
  • Preparar os vendedores para entenderem o momento de compra do cliente e oferecerem o produto adequado
  • Na abordagem de comunicação com o cliente ressaltar o aspecto de "planejamento"
  • Implementar um processo de pós-venda para garantir que não havia nenhuma dúvida por parte do cliente
Matriz “Impacto x Esforço” simplificada

Desenhando a Solução

Como é um produto submetido a várias exigências do Banco Central o primeiro aspecto a ser desenvolvido foram os contratos. Estruturei as algumas versões de como apresentar os dados da propostas e testei com os clientes quais traziam mais clareza de entendimento.

Junto com a equipe de marketing começamos a desenhar o tom da marca e como seria feita a comunicação. Queria passar bastante confiança no nosso produto e transportamos a solidez do Grupo Viviani como base para a marca.

Com as equipes internas iniciei um intenso treinamento para familiarização do produto e da segmentação criada junto com o marketing, e como auxiliar o cliente a entender se o consórcio era o produto certo para ele.

Inicio das vendas e primeiros impactos

Mesmo com todas as etapas de teste só seria possível saber o resultado uma vez que começassem as vendas. Dei início às vendas do primeiro grupo e foi quando tive o maior nível de aprendizado.

Consegui comprovar que o entendimento da proposta e o processo de pós-vendas eram fundamentais para garantir a experiência do cliente. Inicialmente a ideia era fazer o pós-venda por amostragem. Mas a permanência no grupo dos clientes que não passaram por esse processo era de apenas 10%, o que me levou a implementar o processo em todas as vendas imediatamente.

Entendei também que por mais detalhado que fossem os cálculos na proposta os clientes buscavam planos lineares, sem grandes contas e parcelas que mudavam de acordo com o período.

Quanto a imagem da marca percebei que tinha ficado muito sisuda, e conversava apenas com uma parcela dos clientes que queria atingir. A partir disso recomecei o trabalho com o marketing e resolvemos trazer um ar mais jovial à marca e segmentamos a forma de apresentar o produto em três categorias:

Planos Consórcio Viviani
  • Plano Easy: para os clientes que visavam conquistar seu primeiro carro
  • Plano Troca: para clientes que tinham uma frequência de troca planejada
  • Plano Pro: para perfis de investimento ou planejamento de frota

Aproveitei o lançamento de um novo grupo para implementar essas alterações.

Evolução do produto

Um dos principais indicadores que usei é o índice de exclusão, pois reúne além da taxa de cancelamento o índice de inadimplência dos clientes. Em abril de 2016 houve um pico, e apesar de estar bem abaixo do mercado me alertou para alguns ajustes no grupo que lançaria em maio.

Gráfico comparativo exclusão mercado vs. Consórcio Viviani

Com esses ajustes notei uma melhora na permanência dos clientes no grupo. A taxa de exclusão média do Consórcio Viviani girava em torno de 8%, bem diferente da encontrada quando pesquisei o mercado que era 75%. Isso mostra que além de uma boa retenção, os clientes estavam satisfeitos e mantendo as suas parcelas em dia.

Também comecei a perceber que a experiência do produto se dava ao longo de todo o relacionamento do plano, comprovando ainda mais a importância da área de pós-venda. Além de manter o índice acima apresentado em patamares baixos eu tomava como base as solicitações dos clientes para desenvolver novos processos internos como: atendimento por whatsapp, envio de boletos por e-mail e contratos digitais.

Com o lançamento do segundo grupo em maio de 2016 pude comprovar que as alterações foram assertivas. Com essas alterações dobrei o volume de vendas logo no primeiro mês de estreia.

Conclusão e aprendizados

A cada lançamento é um novo aprendizado. O Banco Central tem criado cada vez mais mecanismos para garantir a segurança e a confiabilidade no setor, o que é bastante positivo, pois o consórcio é um produto excelente para quem precisa estruturar o planejamento de uma compra e merece esse respaldo.

O mercado automobilístico e o mercado financeiro são muito dinâmicos e exigem nossa atenção para continuar mantendo a experiência de compra que queremos dar aos clientes. Os planos chegam a 80 meses, o que significa um relacionamento de mais de 6 anos entre cliente e administradora.

Cada conversa, com cada cliente pode gerar um insight para o próximo grupo. E foi a partir desses insights que consegui fazer inovações em um produto altamente estruturado usando os conceitos de UX.

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